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O dia em que o autismo virou justificativa no Congresso

Deputado Marcos Pollon fala no plenário da Câmara. Foto: câmeras dos deputados.

Naquela tarde barulhenta em Brasília, a cadeira do presidente da Câmara parecia mais que um móvel: era um símbolo. Um símbolo ocupado à força, em meio a gritos, câmeras e um Congresso que tentava se equilibrar entre o rito democrático e o tumulto.

Marcos Pollon, deputado federal pelo Mato Grosso do Sul, estava ali, sentado, firme, enquanto o dono legítimo do assento, Hugo Motta, ainda não havia retomado o posto. Quando vieram os pedidos para se levantar, ele demorou. A demora virou cena, e a cena virou polêmica.

Depois, já com o calor dos acontecimentos arrefecido, veio a explicação: “Sou autista e não estava entendendo o que acontecia naquele momento.” Uma frase que carregou mais peso do que parecia. Não apenas pelo contexto, mas pela ausência de comprovação — não há laudo, não há registro oficial na Câmara, apenas a palavra do deputado.

O Transtorno do Espectro Autista é uma condição que merece todo respeito. Mas há algo perigoso quando uma causa legítima se torna escudo para justificar ações que, aos olhos de muitos, soam como atentados ao funcionamento democrático. A cadeira não era apenas cadeira: era a condução dos trabalhos legislativos, era o símbolo de que, por mais áspera que seja a política, existe um método, uma ordem.

A cena acendeu debates: até onde vai a tolerância? Quando uma justificativa pessoal se transforma em estratégia política? E, pior, que marca isso deixa para milhões de pessoas que vivem com o TEA, lutando diariamente contra preconceitos e estigmas, sem espaço para serem confundidas com manobras de obstrução parlamentar?

A democracia é um móvel frágil. Tropeça fácil quando, em vez de diálogo, escolhe-se o teatro. A cadeira de Hugo Motta voltou ao seu ocupante. Mas a imagem de quem a ocupou e a justificativa usada ainda ecoam pelos corredores de Brasília — lembrando que o respeito às condições individuais é tão essencial quanto a responsabilidade pelos atos cometidos em nome delas.

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