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Entre gestos e palavras

Ricardo Evandro sorrindo em foto preto e branco, muito contente.. imagem/ arquivo pessoal.

Nasci com um desafio impresso no corpo, mas não no coração. A paralisia cerebral é uma dessas condições que chegam antes mesmo de sabermos o que é escolha, como um convite que não pedimos, mas que precisamos aceitar. Ela molda meus movimentos, minha postura, e, às vezes, até minha fala. Mas veja bem, ela molda — não define. 

Andar para mim pode ser um espetáculo de equilibrista. Falar, um exercício de paciência e persistência. Há dias em que as palavras querem dançar em minha boca, mas tropeçam. Se isso acontecer, peço que você não tenha pressa. Apenas me ouça, peça para que eu repita, se necessário. Saber que estou sendo escutado faz toda a diferença. 

Os movimentos involuntários que às vezes tomam conta do meu corpo são quase como uma coreografia improvisada. Minha mente, no entanto, permanece firme, dançando no compasso de ideias, sonhos e criações que talvez eu ainda nem tenha palavras para explicar. 

É curioso como o mundo, com suas normas rígidas de perfeição, tenta definir limites para quem já nasceu aprendendo a ultrapassá-los. Não posso correr como os outros, mas meu pensamento voa. Minhas mãos podem ser lentas, mas minha imaginação corre solta. E é aí que entra a magia do cinema. 

Cinema como janela para o mundo

A câmera, nas mãos de quem enxerga além do óbvio, captura mais do que imagens; captura essências. A paralisia cerebral não impede a visão apurada de quem encontra poesia em detalhes cotidianos. O cinema torna-se uma ferramenta poderosa para quebrar estigmas e contar histórias que antes eram invisíveis. Documentários, curtas-metragens e filmes de ficção dirigidos ou protagonizados por pessoas com PC abrem caminho para uma representação mais inclusiva e autêntica no fazer cinematográfico. 

Para cineastas com paralisia cerebral como eu, a criação cinematográfica não é apenas uma forma de expressão, mas também um meio de ativismo. Ao explorar nossas próprias experiências ou construirmos narrativas universais, desconstruímos preconceitos e inspiramos audiências a enxergar além das limitações físicas. Cada enquadramento, cada diálogo e cada cena é uma declaração de que a resiliência e a criatividade são inerentes à condição humana. Filmes como “De Porta em Porta” e “Meu Pé Esquerdo” mostram não apenas os desafios diários, mas também a força e a determinação de quem encontra beleza e significado em cada momento. 

A vida, com suas curvas e tropeços, me ensinou que limites existem apenas para quem se apega a eles. Eu prefiro transcendê-los. Se um movimento não sai como planejado, eu invento outro. Se as palavras demoram, respiro fundo e tento de novo. É assim que crio meu caminho — entre gestos, pausas e muita vontade de seguir em frente. 

Então, se em algum momento você me encontrar, com meus passos cuidadosos ou palavras hesitantes, saiba que há muito mais além do que os olhos podem ver. Há um universo inteiro de histórias, pronto para ser compartilhado — no meu tempo, no meu ritmo. 

E, quem sabe, no final, você descubra que também aprendeu algo sobre o ritmo da vida.

2 comentários em “Entre gestos e palavras”

  1. Boa tarde, excelentíssimo Sr. Ricardo Evandro Souza Ribeiro!
    Nesse exato momento acabei de ler o texto que fala da sua paralisia cerebral, dos seus desafios e o mais importante de tudo, a sua superação.
    Parabéns!
    A sua história de vida foi para mim uma retrospetiva da minha vida, pois eu também sou deficiente decorrente da paralisia cerebral.
    Gostaria muito de conhecer -lhe pessoalmente para trocarmos conhecimento e fortalecemos nossa bandeira PCD( Unidos somos mais fortes).
    (71) 982541421

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