
As novas regras de embarque e desembarque ignoram as necessidades das pessoas com deficiência, perpetuando a desinformação e a exclusão, ao restringir o acesso e a dignidade que todos merecem no transporte público. Imagem / ATUV, PMVC.
Era uma tarde do dia 23 de janeiro de 2025, e eu estava, mais uma vez, na rotina de encarar o transporte coletivo. Uma tarefa que, para muitos, é apenas parte do dia, mas que para mim, com minha paralisia cerebral, se transforma em um desafio quase hercúleo. Não é apenas o ato de entrar no ônibus, é o jogo de paciência e resistência que se desenrola antes mesmo de colocar os pés lá dentro.
Enquanto aguardava, recebi um informe no grupo do WhatsApp da Linha R15, e notei algo que me incomodou profundamente: gestantes, idosos e pessoas obesas têm permissão para embarcar e desembarcar pela porta dianteira. Justo, claro. Mas por que esse mesmo direito não é estendido às pessoas com deficiência? A Lei Brasileira de Inclusão (LBI), no Artigo 46, é clara: “O direito ao transporte e à mobilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida será assegurado em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, mediante a identificação e eliminação de todos os obstáculos e barreiras ao seu acesso.” Mas parece que a teoria e a prática vivem em mundos paralelos.
Penso nas vezes em que fui obrigado a esperar que todos embarcassem para, só então, implorar por um lugar para sentar. Durante os horários de pico, entrar no ônibus é uma batalha campal. Pessoas disputam espaço como se fosse uma arena, e eu, com minha deambulação comprometida, fico à mercê da boa vontade — ou da falta dela. Quando finalmente consigo um assento, sou recebido com olhares atravessados, como se o simples fato de precisar sentar fosse um abuso de privilégio.
E não para por aí. A confusão nos terminais, onde vários ônibus chegam simultaneamente à mesma plataforma, é mais uma barreira. A Secretaria de Mobilidade Urbana (SEMOB), que deveria organizar essa bagunça, parece alheia à situação.
A falta de cuidado é evidente até nos detalhes. Recentemente, vi um informe que usava o termo “pessoas com necessidades especiais”. Já passou da hora de entendermos que essa expressão está desatualizada e é inadequada. O termo correto é “pessoas com deficiência”, porque coloca o foco onde deve estar: na pessoa, e não na deficiência. Quando queremos ser inclusivos, é essencial que sejamos precisos também nas palavras.
Tudo isso reflete um descaso preocupante. A LBI não é apenas um amontoado de artigos; ela é um compromisso com a igualdade e a dignidade. O Artigo 46, §2º, é taxativo: “São garantidas à pessoa com deficiência prioridade e segurança nos procedimentos de embarque e desembarque em veículos de transporte coletivo, seguindo as normas técnicas aplicáveis.” Mas, sem a participação ativa da SEMOB nas discussões e sem um verdadeiro comprometimento com a inclusão, essa prioridade não passa de palavras vazias.
E aqui entra o lema “Nada sobre nós sem nós”, que deveria nortear todas as políticas e decisões relacionadas às pessoas com deficiência. Originado do movimento internacional pelos direitos das pessoas com deficiência, esse lema é um chamado à participação direta das pessoas afetadas nas decisões que impactam suas vidas. Não queremos que outros falem por nós; queremos estar na mesa de discussões, contribuindo ativamente para a construção de soluções que respeitem nossa dignidade e nossas necessidades.
Não peço nada além do básico: respeito e igualdade. Que possamos escolher como embarcar e desembarcar, de acordo com nossas necessidades. Que não sejamos obrigados a implorar por um assento ou a enfrentar olhares de reprovação. Que o terminal seja organizado de forma a permitir que todos, independente de suas condições, possam embarcar com dignidade. E, principalmente, que as leis sejam cumpridas, pois é disso que se trata: construir uma cidade que respeite a todos os seus cidadãos, sem exceção.